Quotidianos na ponta de um lápis

 Quando caminhas sem rumo

Quando caminhas sem rumo vence em ti aquele que coloca a nu as tuas fragilidades, o que te despe perante o seu olhar benevolente e se senta no trono do curador. Será ele que espantará a tua solidão, crês tu, porque é ele que te conhece, é ele que entra no profundo de ti, te mostra todos os teus erros e te faz acreditar que o leme da vida está apenas num lugar – nele.

O outro, aquele que mergulha no profundo de ti e enaltece tudo o que há de maravilhoso na tua alma, aquele que, não falando do que te atormenta, parece aos teus olhos que não te conhece, aquele que rejeita o trono do curador e te coloca o leme na mão, esse… crês tu, não te conhece, não vê o que de menos bom existe dentro de ti e se um dia te conhecer partirá.

Essa certeza leva-te ao caminho do outro, o que já está sentado no trono e tem a receita milagrosa que fará de ti um ser completo. E assim percorrerás o seu caminho, sempre com a certeza que as tuas fragilidades estão ali e o leme jamais descansará na tua mão.

 

Gente que passa tristemente na vida

Chegou de bicicleta. 

Suja, calças velhas presas nas meias, saco às costas.

Parou.

Encostou a bicicleta à parede.

Por um momento fez o gesto de quem vai entrar, mas recuou.

Baixou-se.

Apanhou do chão uma ponta de cigarro que acendeu.

O orgulho, ao sentir-se observada, não lhe permitiu fazer o que sempre faz: pedir um cigarro. Como se nessa negação recuperasse a dignidade perdida, sabe-se lá quando.

Cidades sitiadas na Síria são evacuadas

http://istoe.com.br/cidades-sitiadas-na-siria-sao-evacuadas/

 Ficção

Querido Diário

A guerra continua. Continua todos os dias, como todos os dias eu continuo a escrever-te "a guerra continua".

Mais uma vez seremos levados para outro lugar, como se nesse outro lugar não se pronunciasse a palavra g-u-e-r-r-a.

Quarenta autocarros já partiram. Faltam trinta e cinco e eu quero seguir no último.

Adiando a partida posso, durante mais tempo, fazer de conta que no lugar para onde vou não haverá mais bombas, mais mortes, mais desesperança.

Malack