domingo, 18 de maio de 2014

As Bibliotecas da minha vida

A partir do momento em que aprendi a ler tornei-me uma das mais assíduas frequentadoras de Bibliotecas da minha pequena terra, uma vila alentejana.
Naqueles tempos as escolas primárias não eram mistas, havia a escola das meninas e a escola dos meninos. Na escola das meninas, não havia Biblioteca. Na outra havia uma, logo na entrada, num espaço onde não se avistavam os rapazes. Quando digo frequentava refiro-me a ir lá buscar livros. Não havia mesas nem cadeiras, apenas a secretária do professor e um pequeno armário, com portas de vidro fechadas com uma chave enorme. O resto era espaço vazio.
Não tenho memória de como fui lá parar, mas recordo o professor, que muito mais tarde percebi que era escritor, e que quando eu chegava me oferecia um enorme sorriso, se levantava e ia ao armário buscar um livro. Era ele que os escolhia, como se adivinhasse o que eu queria naquele momento. Acertava sempre.
Já lia, porque tinha, toda a coleção dos Cinco, dos Sete, das Gémeas, do Castelo das Quatro Torres… penso que tudo o que havia em Portugal da Enid Blyton e que viria a influenciar a minha escrita muitos anos mais tarde.
Com o professor da Biblioteca descobri a Condessa de Segur, Charles Dickens, Mark Twain e muitos outros clássicos da literatura infantil.
Há um momento nesta pequena Biblioteca Escolar que recordo para sempre: o 25 de abril de 1974. Chegada à escola nessa manhã, a professora disse que não havia aulas e eu fiquei super feliz porque assim podia ir visitar a Biblioteca dos Rapazes. Quando lá cheguei o professor disse-me: “Hoje aconteceu uma coisa muito importante. Quero que vás para casa e que fiques lá até os teus pais chegarem”. Fiquei tão triste que ele, talvez pensando que eu não iria acatar a ordem, abriu o armário, colocou-me um livro nas mãos dizendo – “Agora faz o que te disse”. E eu saí de lá, já novamente feliz, com um exemplar da “Aventura nas Berlengas” – a primeira peça de teatro que li. Assim, enquanto os portugueses lutavam pela democracia eu estava quietinha no sofá a ler um belíssimo livro J.
Nesta fase da minha infância frequentava também a Biblioteca Itinerante da minha terra e, no verão, a da terra da minha avó.
Adorava aquela carrinha e aí havia maior liberdade. Entrava para lá e os senhores deixavam-me tirar e pôr os livros nas estantes. Não me ajudavam a escolher nada, mas deixavam-me descobrir e aquelas carrinhas pareciam-me Bibliotecas gigantescas. Foi aqui que descobri a coleção do Pequenu, livros que para mim eram enormes e pesados, as Viagens de Gulliver e muitas outras maravilhas.
Durante a minha permanência no 2º ciclo não havia Biblioteca na escola nem na vila, apenas a Itinerante. Nas escolas do 3º ciclo e Liceu havia Bibliotecas que eu só frequentava quando necessitava mesmo de alguma coisa para os trabalhos escolares. O acesso ao catálogo era um processo complicado e moroso. Estava dentro de uma gaveta pesadíssima e consistia num conjunto de cartões retangulares escritos à mão e organizados por autores. Isso implicava que nós soubéssemos que autor queríamos ler e, como dos que eu conhecia já havia lido tudo (hábito que me ficou para a vida porque ainda hoje leio tudo o que um autor de quem gosto publica), não encontrava nada. Não me deixavam andar a “passear” pelo meio das estantes e ninguém me ajudava a encontrar um livro que me pudesse agradar. Não se podia falar, mesmo que fosse baixinho, o espaço estava sempre vazio e as Bibliotecárias sempre com cara de me quererem ver pelas costas. Mesmo assim, ainda fiz várias tentativas e mexia no catálogo, mas passados poucos minutos diziam-me que se eu não sabia o que queria era melhor sair dali.
Nesta época havia já uma Biblioteca Municipal organizada da mesma forma que a escolar, mas onde eu dispunha de maior liberdade – deixavam-me aproximar das estantes e ler os títulos dos livros. Foi assim que descobri Balzac, Vitor Hugo, Simone de Beauvoir, Francesco Alberoni, Erico Veríssimo, Vergílio Ferreira, Júlio Dinis, José Mauro de Vasconcelos, Ernest Hemingway, John Steinbek…
Para além desta Biblioteca havia mais duas: uma na sede do Partido Comunista e outra na sede do Partido Socialista. Aqui os livros estavam dentro de três ou quatro armários (que não estavam fechados à chave), aparentemente sem qualquer espécie de ordem ou organização, mas havia sempre alguém disponível para comentar um livro comigo, para me perguntar se eu já conhecia este ou aquele, para me incentivar a ler.
Foi assim que descobri, principalmente na Biblioteca do Partido Comunista, Vladimir Nabokov, Léon Tolstoy, Manuel Alegre, Soeiro Pereira Gomes, Alves Redol, Raúl Brandão, Fernando Namora…
Continuo a ser uma frequentadora assídua das Bibliotecas. Quando mudo de localidade, o que acontece com alguma frequência, uma das primeiras coisas que faço é inscrever-me na Biblioteca Municipal.
Sem as Bibliotecas não seria a pessoa que hoje sou. J

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